segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Quarto 206, ao lado da cama, perto da escrivaninha

Hoje eu me deparei com o sol invadindo meu quarto. A vida real me desejou um bom dia, sabendo perfeitamente que seria apenas mais um. Nem bom nem ruim. Só mais um. Real. Mas o que é a realidade senão algo que imaginamos todos juntos? Eu sei que você deve estar me achando completamente louco. Mas, você me conhece...Aliás, não sei se você me conhece. Não escrevo estas palavras diretamente a alguém. Portanto não posso saber quem as lerá. Pouco importa! Agora mesmo eu já devo estar longe. Onde nem você nem eu sabemos onde é. Eu quis mesmo ir embora. Sabe como é estar cercado de gente e mesmo assim estar no meio do nada? Minha casa é um iceberg no meio de um mar de nada. De uns tempos pra cá, eu venho me sentindo assim. Eu gritei, implorei por ajuda. Mas você devia estar com pressa e não deve ter percebido. Você sempre vê rostos desconhecidos todos os dias. Mas nunca se perguntou quem são. Já quis saber quantas vezes uma pessoa especial cruzou seu caminho sem que você a percebesse? Provavelmente eu fui uma delas. Alguém que não foi ninguém. Agora já não importam mais minhas feridas, nem minhas angústias. Meus medos já não vão perturbar ninguém. Eu sempre busquei ser ninguém no fim das contas. E esse é o final da história que eu vivi. O fim que eu mesmo busquei. Não pense, por favor, que eu quis a sua compaixão. Eu só quis acalmar meu espírito e cessar os dolorosos pulsares do meu coração. Não olhe para o meu corpo com desdém. Nunca despreze os sofrimentos de alguém. Eles podem ser bem maiores do que lhe parecem. E estar só é a pior parte disso tudo. Mas agora eu busco estar sozinho. Quero saber o que há após o romper do fio da vida que eu cortei. Adeus, estranho. Uma pena não ter te conhecido antes. Mas pra mim foi melhor assim. Mais uma vez, adeus.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Leve

Que lástima! Nem sei como foi acontecer, mas o fato é simples: perdemos o fio que nos unia. Perdemos aquele encanto do começo. Teu olho nem brilha mais... Perdemos o fio da meada. Perdemos o fio que nos unia. Pior do que não saber por onde começar é não saber por onde recomeçar. Me sinto triste e ao mesmo tempo leve. Leve...Vá e leve tudo de bom que há em mim. Que eu sobrevivo com o resto. Saudades? É, elas se farão presentes, sim. É uma pena, mas sabemos que em breve seremos apenas passado um do outro. E passado esse tempo, nossas dores nem serão tão dores assim. Algumas coisas vão ficar. Uma música, talvez. Não sei. Algum lugar ou jeito de falar nos vai fazer lembrar de "nós". Eu sei que vou sentir frio no começo, quando meus pés gelados não encontrarem mais os teus sob os lençóis. É imensidão o teu lado da cama sem ti! As noites parecem ser mais escuras e longas hoje em dia. É o preço. Do jeito que vamos não vamos a lugar algum. Entre nós se formou um abismo. Onde corre um rio. Rio de incertezas, inverdades, ignorância. Não quero mergulhar nesse rio, acho que nem você. Não quero te ver se perder nessas águas. Por isso te perco aqui, então. Agora eu sofro, eu bem sei. Mas o tempo é a cura e a causa de tudo. Vou me entregar ao tempo. Vamos guardar apenas o que há de bom em nós. Vá ser feliz você também. Adeus, amor.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Sal

Sinto que este é mais um daqueles dias em que é melhor não acordar. É como se eu previsse tudo o que me ocorrerá hoje. Posso ver teu rosto, sentir teu cheiro. Posso me ver sorrindo pra você, mas você não retribui. Sinto-me mal, sabendo que, mais uma vez, posso ter te desagradado sem que tivesse percebido. Você parece nervosa, e eu sei que vai chorar. Você sussurrará algo que eu não vou entender bem. Tem a ver com confiança ou algo do tipo, mas eu não escuto direito. Você vai chorar mais, eu sei. E eu vou, desesperada e inutilmente, tentar convencê-la de que o que eu fiz, seja o que for, não foi por mal. Direi que é você que eu amo e que não quero nunca te fazer nenhum mal. Você vai retrucar, dizer que eu estou mentindo. Eu vou, enfim, perceber que não adianta falar, você não estará aberta pra me ouvir. Você vai tirar sua aliança e jogá-la em mim. Ou pela janela, não sei. E eu vou pegar a chave do carro e sair, te deixando sozinha em casa, sentada no sofá. Você ainda vai estar chorando. Eu vou ligar o carro e sair sem destino. Mas eu sei bem onde vou acabar estacionando. A praia vai parecer estar bem mais longe que nos outros dias. Enfim vou chegar perto o suficiente para descer do carro. Vou tirar os sapatos e sentir a areia entre meus dedos. Fecharei os olhos e deixarei que o cheiro do oceano entre pelas minha narinas enquanto meu corpo entra em uma espécie de transe. Eu chamo este transe de liberdade. Ali eu vou saber que estou livre dos males do meu cotidiano. Vou sentar na areia, de frente pro mar e ficar olhando as ondas enquanto descarrego meus últimos maus pensamentos. Minhas últimas mágoas, rancores ou qualquer outro sentimento que me sufoque a alma. Vou enterrar minhas angústias e caminhar em direção à água. Primeiro vou molhar os pés e fingir que me preocupo em não molhar minhas roupas. Mas depois eu sei que vou acabar mergulhando. Vou ficar submerso pelo tempo que o ar de dentro dos meus pulmões durar. Enquanto estiver sob a água, vou desejar que o sal do mar se misture com o das minhas lágrimas e lave tudo de ruim que ainda restar em mim. Vou emergir e perceber que as poucas pessoas que transitam pela orla vão me olhar com estranhamento. Mas eu não vou me importar. Não foi por elas que dirigi até ali. Voltarei então a ser menino. Vou sentir a mesma euforia que sentia há alguns anos. Vou sorrir da mesma forma. Vou mergulhar mais algumas vezes até que me sinta realmente limpo. Vou caminhar até o carro e entrar, mesmo molhado. Ainda vou conservar o sorriso de criança no rosto. Vou dirigir até em casa, porque sei que você vai estar lá. Talvez me esperando. Vou entrar sem dizer nada e vou roubar-lhe um beijo. Vou dizer-lhe que você é a mulher da minha vida. Que não posso me arrepender de nenhum dia que passamos juntos. Que quero passar o resto da vida ao teu lado. Que eu sempre soube que era você a minha mulher. A mulher que eu amo. Você vai, talvez, resistir um pouco. Mas depois vai me beijar mais uma vez. E vamos deitar no chão da sala. E trocar mais algumas juras de amor. E eu sei que é tudo verdade. Eu sei. Sinto que este é mais um daqueles dias em que é melhor não acordar. Mas eu faço questão de vivê-lo como se fosse o último. O único.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Hoje eu acordei com vontade de viver

Hoje eu acordei com vontade de viver. Não me sinto ansioso. Não me sinto deprimido. Não me sinto desprezado. Me sinto bem. Eufórico. Finalmente percebi as vivas cores do dia que nascera. Do dia que nascerá. Tenho um sorriso estampado no rosto. Mais ainda. Tenho um sorriso estampado na alma. Um riso de quem ri quando não se engana mais. Quando não se ilude mais. Cansei de fingir pra mim mesmo. Cansei de acreditar no que não acredito. Quero que a luz do sol entre pelas portas, janelas, pele, retina. Quero que o calor me invada os poros. Que me encontre a alma. Que me aqueça. Enfim eu posso ver as cores de hoje. O brilho do dia que virá. Hoje eu acordei sorrindo. Feliz. Hoje eu acordei com vontade de viver.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

José

José gostava de ouvir músicas cinzas e chuvosas. Tão cinzas e chuvosas quanto aquela manhã de setembro em que ele nasceu, chorando sem fazer alarde. Apático desde o nascimento. Vestia-se sempre de preto, ou de qualquer outra cor sem vida, tal e qual era o seu sorriso. Isso quando ele sorria.
Um dia, enquanto ouvia uma de suas músicas de tristeza, José viu uma mulher. Não uma mulher qualquer. Não como nenhuma outra que ele tivesse visto. Ela era ela. Linda, quente, viva. Quase o oposto de José. A mulher não conseguiu disfarçar um riso. Ele também não. Entreolharam-se com encanto e estranheza. Sentir algo mais forte era novidade para José. O que teria feito seu peito acelerar daquele jeito? Ele sabia bem que era a vida que aquela estranha exalava.
Durante dias José seguiu o mesmo caminho. Passava duas, três, cinco vezes pela mesma calçada. Ele a procurava com devoção. Desde aquele momento, ele precisava do calor dela pra viver. Será que ela também se sentia assim? Será que também o procurava? A cada dia José entristecia-se mais. Suas forças sumiam na mesma intensidade que sua esperança desaparecia. Mas ele precisava encontrá-la de novo. Pelo menos para olhá-la uma vez mais.
Mais uma vez ele a viu. Em meio à multidão. Dentre rostos diversos, passos apressados, tamanhos, cores, vozes, ele a viu de novo. Seu coração acelerou. Tanto quanto no dia do primeiro encontro. Ela mais uma vez sorriu para José. E ele tinha certeza que sim, que ela sorriu pra ele. Então ele andou em sua direção. A mulher continuou a caminhar. José apressou os passos. Ela parecia apressá-los também. Ele se apressou um pouco mais. Ela, o mesmo tanto. Ela fugia dele? Não, José sabia que não. Em meio à sua áurea cinza chumbo e sua tristeza chuvosa, ele sabia. A estranha se apressou ainda mais. José também. Em poucos instantes corriam, os dois, em meio à multidão.
José conseguiu segurar a mulher pelo braço, deixando-a escapar em seguida. Sentia-se cansado, mais ainda tinha forças para correr. E correu. Num instante qualquer, talvez por culpa do suor que escorria de seu rosto e ardia-lhe os olhos, José piscou os olhos. Ela não estava em lugar algum quando ele os abriu novamente. Ele a deixara escapar. Mas por que ela fugia? Ela não sentiu a mesma inquietação, a mesma taquicardia que ele sentira? Seria ela tímida, ou algo assim? José não soube responder. Viveu sem estas respostas. Não sei se posso dizer que ele viveu mesmo. Mas ele pensou nela. Ele sonhou com ela. José não mais voltou a vê-la. Mas ele soube, não se sabe por quem, o nome daquela mulher. Da estranha que ele teve nas mãos, e deixou escapar. Ela se chamava Felicidade.

domingo, 22 de agosto de 2010

Chuva ou Que o amanhã me purifique

Ouça, eu não quero parecer mais triste do que estou, mas apenas me escute. Eu vim pra dizer que não vou mais estar aqui pra você. Não vou mais me preocupar em te agradar, até porque você nunca o fez por mim. Tristeza dá e passa. Eu, mais do que ninguém, sei que toda dor é passageira. É só lembrança no final. As alegrias também, é verdade. Mas o que será meu sofrimento perto da alegria que virá? Eu vim pra te deixar, enfim. Te deixar aqui e seguir em paz. Hoje você é alguém que não cabe mais em mim. Hoje você é chuva fria e densa, de uma noite escura, sombria, sozinha. Hoje você é chuva em mim. E o que eu procuro é o sol. Pra me aquecer o sangue. Pra me fazer suar. Cansei de frio. De frieza. Você sabe o que eu quero dizer. Eu vim pra dizer que eu vou-me embora. Estou deixando pra trás toda e qualquer forma de desamor. Ou de amor que nem chegou a ser amor. Quero que o amanhã me purifique. Que me lave, me livre de tudo de você que restar em mim. Hoje eu sofro, é bem verdade. Mas amanhã...amanhã eu sei que vou sorrir. Vou até amar de novo que eu sei. Quero de volta aquilo que eu nem sei mais sentir. Por isso eu vou-me embora. Esse é o nosso derradeiro encontro. E se acaso esbarrar na Alegria, diga-lhe que ainda a procuro.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Congelando

Primeiro foi o mistério. Foi o que mais me atraiu em você. Seu rosto era indecifrável, os seus olhos não me diziam absolutamente nada. Tive medo de gostar. Gostei. Depois foram as palavras. Promessas são esperança pra quem tem o coração congelado. Congelando. Me viciei em você. Vivia meus dias pensando em você. Tive medo de me apegar. Me apeguei. Por último foi a dependência. Virei dependente de você. Precisava ver seu rosto de sorriso enigmático. Precisava saber como foi seu dia, se dormiu bem, se acordou bem, se comeu bem, se pensou em mim. Nem isso eu sei. Não sei se, por algum momento, ocupei sua mente como você ocupou a minha. Você estava presente a cada minuto. Mesmo ausente você estava presente em mim. Ausente. Você nunca esteve por perto. A culpa não é sua, eu sei. A culpa não é de ninguém. Talvez minha. É, a culpa é mesmo minha. Fui eu que gostei de você, que me apeguei a você. Fui eu que me viciei em você, pensei em você a cada dia, a cada instante. A culpa é minha. Fui eu que criei você.

sábado, 14 de agosto de 2010

Agradecimento

Obrigado pelos julgamentos. Só assim eu pude ver o quanto é estúpido se cobrar demais. Obrigado pela frieza. Me fortaleci e descobri que consigo suportar frias noites de solidão sem implorar pelo calor alheio. Obrigado pelos empurrões. Eles me fizeram acordar e ver o quanto eu estava sendo babaca por acreditar em tudo o que me prometem. Promessas são inúteis quando se mente, quando não há comprometimento. Obrigado pelos tapas na cara. Descobri que posso reagir a eles. Descobri que sussurros não bastam quando se quer gritar. E eu gritei, enfim. Obrigado pelas desculpas, pelas mentiras mal-contadas. Só assim pra saber até onde vão as pessoas quando querem o domínio da situação. Eu, sinceramente, não entendo porque você precisou mentir tanto. Mas, como já dei a entender, tudo foi válido. Tudo é aprendizado. "Dar a entender". Taí um artifício que eu devia ter explorado mais. Eu podia ter mentido mais. Dissimulado mais. Mas eu preferi encarar. Encarar a verdade. Encarar meu rosto no espelho sem remorso. Como sempre, entrei de cabeça nessa história e, por mais que eu possa ter sido burro, ingênuo, cego até, eu tenho a consciência limpa. Consciência de quem amou, perdoou, odiou, defendeu, atacou, tudo de verdade. Eu fui eu de verdade, enfim. Ah, e antes que eu me esqueça, obrigado pela consciência limpa. Obrigado por me deixar dormir à noite sem que nenhum fantasma do passado me persiga por eu ter sido falso. Eu não fui falso, fui quem sou. Obrigado por ter me aberto os olhos, por ter me feito ver que não se deve confiar em todo mundo. Obrigado por ter me feito queimar nossas fotos e jogar nossas lembranças numa caixa qualquer, num canto qualquer da minha mente, pra que eu não queira mais mexer nelas. Obrigado por ter me dado vontade de mudar de perfume, de corte de cabelo, de roupas. Obrigado por ter me feito mudar. Eu realmente precisava disso. Não vou mentir, dizer que vou esquecer você completamente. Mas estou tranquilo. Sei que você será apenas um nome daqui há algum tempo. Ah, o tempo! Obrigado pelo tempo que você deixou vago e que agora foi reservado a mim. Só a mim. Obrigado pelo sofrimento. Obrigado pelo silêncio. Obrigado pela consciência limpa. Obrigado pelo fim. Obrigado por tudo e, principalmente, obrigado por nada.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Veneno

Geralmente eu peço pra que você não me deixe só. Mas não hoje, não agora. Eu preciso estar sozinho. Quero sentir isso sozinho. Não quero dividir nada com ninguém. Deixo que meu coração dispare e minha visão escureça. Preciso disso. Quero que o ódio me entre pelas narinas, se espalhe pelo meu corpo. Quero que meu sangue ferva. Eu, como ser humano que se preze, preciso sentir essa raiva. Não quero compartilhá-la com ninguém. Esse ódio que me faz arder é só meu. Meu ódio, minha ira. Eu cerro os punhos, eu quebro coisas. Eu chuto o que eu puder chutar. Quero ver sangrar. Quero ver queimar. Eu tomo mais uma dose. Uma bem forte. De ira. Dessa vez eu cerro os dentes. Grito como um animal. Um animal em ataque, fora de si. Em fúria. Sou eu esse animal. O eu que eu guardei numa caixa. E tranquei num canto qualquer da minha alma. Alguém o libertou. E ele está tomado de raiva. Repleto, até a boca. A boca que diz o que não diria. As mãos que tremem. Eu vivo, eu odeio. E como odeio. Por algum tempo, odeio tudo e todos. Até eu. Eu sou a ira. Eu sinto a ira. O ódio faz parte de mim. Eu respiro fundo. Meu peito se acalma. Não sei por quanto tempo. Isso tudo ainda faz parte de mim, ainda sou eu. Mas esse eu adormeceu.

sábado, 7 de agosto de 2010

Exorcismo (Cercas brancas e flores na varanda)

E daí que eu tenha sentido alguma coisa, qualquer coisa por você? Você não me deu a importância que eu mereço, que eu te dei. Eu devo mesmo ser muito idiota por ainda acreditar no amor. Acreditar que ainda vai acontecer comigo. Dane-se! O fato é que o que eu penso ou sinto nunca é levado em consideração. A menos, claro, quando for você no papel de vítima. Que você adora fazer. E faz muito bem, diga-se de passagem. Dane-se de novo! Espero mesmo que vocês casem. Que sejam bem felizes, os dois. Que tenham filhos lindos e saudáveis. Um labrador. Uma macieira no jardim. Uma casa linda, com cercas brancas e flores na varanda. Espero que saibam aproveitar tudo isso. O que eu quero pra mim, eu nem sei mais. Não sei se saio à procura desse tal de amor verdadeiro ou se o espero aqui mesmo, sentado. Não sei nem se esse tipo de coisa existe mesmo. Tenho ouvido falar e só. Li em poesias, vi na letra de algumas músicas, mas nunca o encontrei. Esse tal de amor deve se esconder muito bem. Pelo menos de mim. Mas, dane-se mais uma vez! Dane-se você, ele, todos! Eu quero só ser aquele ser sem coração que eu costumava ser quando era feliz. E o amor...o amor que arranje outro idiota pra iludir.

terça-feira, 27 de julho de 2010

O homem que não sorri

Todos os dias ele acorda tarde. Carrega um peso invisível nas costas que o faz se encurvar diante do novo dia. Todos os dias ele revira na cama, até que tenha coragem de levantar. A maioria das vezes, levanta mesmo sem ânimo. Ele nunca diz "bom dia". Ele nunca tem um bom dia. Todas as manhãs, após enfim se pôr de pé, ele se olha no espelho do banheiro. Algumas vezes força um sorriso. Força tanto que faz seus olhos se fecharem quase que completamente. Ele não sorri. Faz a barba, escova os dentes, lava o rosto, mas não sorri. Queria poder dizer que ele não é uma pessoa normal. Mas ele é. E esse é o problema. Esse é o motivo de todos os seus não-sorrisos e não-bons-dias. Ele não tem alegria, apenas compromissos. Ele não pensa em aproveitar o dia, apenas em trabalho. Ele não tem família ou amigos, mas tem dinheiro. Ele tem muito dinheiro. Não o bastante para comprar um sorriso. Sorrisos não se compram. Sorrisos surgem, assim, como mágica. Mas os sorrisos não surgem pra ele. Os seus dias são frios. Seus meses são cinza. Seus anos são amargos. E ele não sorri. Certa noite ele se deitou. Acordou de madrugada sentindo-se estranho. Foi ao banheiro. Lavou o rosto e se olhou no espelho, como faz todas as manhãs. Foi então que aconteceu. Um sorriso surgiu em seu rosto. Assim, como mágica. E ele sorriu. Sentiu-se vivo. Sentiu-se completo. Voltou a dormir. Não mais acordou.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Minhas mãos trêmulas, frias

Estou pálido. Minhas mãos trêmulas, frias. Eu estou de frente a ele. Ele não pode me vencer. Ele não é maior que eu. Eu sei que não. Mas eu estou pálido. Minhas mãos trêmulas, frias. Eu quero enfrentá-lo. Quero vencê-lo. Mas minhas pernas não se movem. Eu vejo, encaro. É só o que eu consigo fazer. Ele não pode ser maior que eu. Ele é maior que eu. Eu sou o que sou. E ele é o medo. Meu medo.


Por perto (Sombra)

Respiro. Suspiro. Me contenho pra não incomodar. Me contento em não incomodar. Em não te incomodar. Eu estou ali e você nem vê. Eu prefiro assim. Assim você não enjoa de mim. Assim eu me mantenho sempre aí. Por perto. Sempre. Eu estou no seu sorriso. No seu jeito de andar. Na sua voz, eu sempre estarei. E sua voz estará sempre em mim. Eu sou sua sombra, eu posso ser. Assim eu me mantenho sempre aí. Por perto. Nas janelas. Na mobília. Por perto. Sempre.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Eu estou em frente à sua porta

Eu estou em frente à sua porta agora. Eu sei que não devia estar aqui. Eu sei que não devia estar assim. Não trago flores e nem qualquer poema. Doces, muito menos, já que amargo é o gosto de você que eu sinto agora em minha boca. Mágoas. Eu as carrego por onde eu for. Mas eu estou em frente à sua porta agora. Já nem sei dizer quem está certo ou, ainda, se eu estou no lugar certo. Eu vim te ver, mas temo que você abra a porta. Não sei como seria te encarar agora, assim, no meio da noite. No meio da rua. No meio da chuva. No meio do nada. E temo que esse nada seja tudo o que restou de nós. Temo que nem esse "nós" exista mais. Nós. Nem sei mais como é ser apenas "eu". Sei apenas que estou em frente à sua porta. Talvez nem disso eu saiba mais. O que eu sou? O que eu sou pra você? Por que sinto o frio da noite aqui fora, se você está tão perto? Por que sinto esse frio, eu e minhas mágoas, e não o seu calor pulsante? Seu calor. Que me aquece a alma. Que vem do seu coração e faz o meu se aquecer. Talvez eu devesse ir embora. Você nem sentiria minha falta. Sentiria? Por um instante eu queria que meus pés me levassem adiante. Mas talvez fosse melhor não. Talvez eu devesse ir embora. Me decido, vou embora. Não quero mais estar em frente à sua porta. Decidido. Decidido e com frio. Decidido e sozinho. Decidido e amargurado. Vou embora! Recuo. Algo me impediu. Um cheiro. Teu cheiro. A porta abriu. É você. Estou em frente à sua porta. Estou em frente a você. Você sorri. Mas eu tenho mágoas. Eu tenho frio. Você tem o sorriso. Você tem o calor. É sua a mão que me segura. É você que me abraça e me desarma. É você que me puxa pra dentro. Pra que eu possa me aquecer. Pra que eu possa me secar. Tirar de mim a água da chuva dessa noite fria. Tirar de mim a mágoa. Já não me importa o que eu perdi. Tenho você. Tenho você, de novo. Agora estou atrás de sua porta. Junto ao teu calor, ao teu abraço. E já não me importa o que eu perdi. Tenho você. Tenho você, de novo.