terça-feira, 31 de agosto de 2010

Hoje eu acordei com vontade de viver

Hoje eu acordei com vontade de viver. Não me sinto ansioso. Não me sinto deprimido. Não me sinto desprezado. Me sinto bem. Eufórico. Finalmente percebi as vivas cores do dia que nascera. Do dia que nascerá. Tenho um sorriso estampado no rosto. Mais ainda. Tenho um sorriso estampado na alma. Um riso de quem ri quando não se engana mais. Quando não se ilude mais. Cansei de fingir pra mim mesmo. Cansei de acreditar no que não acredito. Quero que a luz do sol entre pelas portas, janelas, pele, retina. Quero que o calor me invada os poros. Que me encontre a alma. Que me aqueça. Enfim eu posso ver as cores de hoje. O brilho do dia que virá. Hoje eu acordei sorrindo. Feliz. Hoje eu acordei com vontade de viver.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

José

José gostava de ouvir músicas cinzas e chuvosas. Tão cinzas e chuvosas quanto aquela manhã de setembro em que ele nasceu, chorando sem fazer alarde. Apático desde o nascimento. Vestia-se sempre de preto, ou de qualquer outra cor sem vida, tal e qual era o seu sorriso. Isso quando ele sorria.
Um dia, enquanto ouvia uma de suas músicas de tristeza, José viu uma mulher. Não uma mulher qualquer. Não como nenhuma outra que ele tivesse visto. Ela era ela. Linda, quente, viva. Quase o oposto de José. A mulher não conseguiu disfarçar um riso. Ele também não. Entreolharam-se com encanto e estranheza. Sentir algo mais forte era novidade para José. O que teria feito seu peito acelerar daquele jeito? Ele sabia bem que era a vida que aquela estranha exalava.
Durante dias José seguiu o mesmo caminho. Passava duas, três, cinco vezes pela mesma calçada. Ele a procurava com devoção. Desde aquele momento, ele precisava do calor dela pra viver. Será que ela também se sentia assim? Será que também o procurava? A cada dia José entristecia-se mais. Suas forças sumiam na mesma intensidade que sua esperança desaparecia. Mas ele precisava encontrá-la de novo. Pelo menos para olhá-la uma vez mais.
Mais uma vez ele a viu. Em meio à multidão. Dentre rostos diversos, passos apressados, tamanhos, cores, vozes, ele a viu de novo. Seu coração acelerou. Tanto quanto no dia do primeiro encontro. Ela mais uma vez sorriu para José. E ele tinha certeza que sim, que ela sorriu pra ele. Então ele andou em sua direção. A mulher continuou a caminhar. José apressou os passos. Ela parecia apressá-los também. Ele se apressou um pouco mais. Ela, o mesmo tanto. Ela fugia dele? Não, José sabia que não. Em meio à sua áurea cinza chumbo e sua tristeza chuvosa, ele sabia. A estranha se apressou ainda mais. José também. Em poucos instantes corriam, os dois, em meio à multidão.
José conseguiu segurar a mulher pelo braço, deixando-a escapar em seguida. Sentia-se cansado, mais ainda tinha forças para correr. E correu. Num instante qualquer, talvez por culpa do suor que escorria de seu rosto e ardia-lhe os olhos, José piscou os olhos. Ela não estava em lugar algum quando ele os abriu novamente. Ele a deixara escapar. Mas por que ela fugia? Ela não sentiu a mesma inquietação, a mesma taquicardia que ele sentira? Seria ela tímida, ou algo assim? José não soube responder. Viveu sem estas respostas. Não sei se posso dizer que ele viveu mesmo. Mas ele pensou nela. Ele sonhou com ela. José não mais voltou a vê-la. Mas ele soube, não se sabe por quem, o nome daquela mulher. Da estranha que ele teve nas mãos, e deixou escapar. Ela se chamava Felicidade.

domingo, 22 de agosto de 2010

Chuva ou Que o amanhã me purifique

Ouça, eu não quero parecer mais triste do que estou, mas apenas me escute. Eu vim pra dizer que não vou mais estar aqui pra você. Não vou mais me preocupar em te agradar, até porque você nunca o fez por mim. Tristeza dá e passa. Eu, mais do que ninguém, sei que toda dor é passageira. É só lembrança no final. As alegrias também, é verdade. Mas o que será meu sofrimento perto da alegria que virá? Eu vim pra te deixar, enfim. Te deixar aqui e seguir em paz. Hoje você é alguém que não cabe mais em mim. Hoje você é chuva fria e densa, de uma noite escura, sombria, sozinha. Hoje você é chuva em mim. E o que eu procuro é o sol. Pra me aquecer o sangue. Pra me fazer suar. Cansei de frio. De frieza. Você sabe o que eu quero dizer. Eu vim pra dizer que eu vou-me embora. Estou deixando pra trás toda e qualquer forma de desamor. Ou de amor que nem chegou a ser amor. Quero que o amanhã me purifique. Que me lave, me livre de tudo de você que restar em mim. Hoje eu sofro, é bem verdade. Mas amanhã...amanhã eu sei que vou sorrir. Vou até amar de novo que eu sei. Quero de volta aquilo que eu nem sei mais sentir. Por isso eu vou-me embora. Esse é o nosso derradeiro encontro. E se acaso esbarrar na Alegria, diga-lhe que ainda a procuro.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Congelando

Primeiro foi o mistério. Foi o que mais me atraiu em você. Seu rosto era indecifrável, os seus olhos não me diziam absolutamente nada. Tive medo de gostar. Gostei. Depois foram as palavras. Promessas são esperança pra quem tem o coração congelado. Congelando. Me viciei em você. Vivia meus dias pensando em você. Tive medo de me apegar. Me apeguei. Por último foi a dependência. Virei dependente de você. Precisava ver seu rosto de sorriso enigmático. Precisava saber como foi seu dia, se dormiu bem, se acordou bem, se comeu bem, se pensou em mim. Nem isso eu sei. Não sei se, por algum momento, ocupei sua mente como você ocupou a minha. Você estava presente a cada minuto. Mesmo ausente você estava presente em mim. Ausente. Você nunca esteve por perto. A culpa não é sua, eu sei. A culpa não é de ninguém. Talvez minha. É, a culpa é mesmo minha. Fui eu que gostei de você, que me apeguei a você. Fui eu que me viciei em você, pensei em você a cada dia, a cada instante. A culpa é minha. Fui eu que criei você.

sábado, 14 de agosto de 2010

Agradecimento

Obrigado pelos julgamentos. Só assim eu pude ver o quanto é estúpido se cobrar demais. Obrigado pela frieza. Me fortaleci e descobri que consigo suportar frias noites de solidão sem implorar pelo calor alheio. Obrigado pelos empurrões. Eles me fizeram acordar e ver o quanto eu estava sendo babaca por acreditar em tudo o que me prometem. Promessas são inúteis quando se mente, quando não há comprometimento. Obrigado pelos tapas na cara. Descobri que posso reagir a eles. Descobri que sussurros não bastam quando se quer gritar. E eu gritei, enfim. Obrigado pelas desculpas, pelas mentiras mal-contadas. Só assim pra saber até onde vão as pessoas quando querem o domínio da situação. Eu, sinceramente, não entendo porque você precisou mentir tanto. Mas, como já dei a entender, tudo foi válido. Tudo é aprendizado. "Dar a entender". Taí um artifício que eu devia ter explorado mais. Eu podia ter mentido mais. Dissimulado mais. Mas eu preferi encarar. Encarar a verdade. Encarar meu rosto no espelho sem remorso. Como sempre, entrei de cabeça nessa história e, por mais que eu possa ter sido burro, ingênuo, cego até, eu tenho a consciência limpa. Consciência de quem amou, perdoou, odiou, defendeu, atacou, tudo de verdade. Eu fui eu de verdade, enfim. Ah, e antes que eu me esqueça, obrigado pela consciência limpa. Obrigado por me deixar dormir à noite sem que nenhum fantasma do passado me persiga por eu ter sido falso. Eu não fui falso, fui quem sou. Obrigado por ter me aberto os olhos, por ter me feito ver que não se deve confiar em todo mundo. Obrigado por ter me feito queimar nossas fotos e jogar nossas lembranças numa caixa qualquer, num canto qualquer da minha mente, pra que eu não queira mais mexer nelas. Obrigado por ter me dado vontade de mudar de perfume, de corte de cabelo, de roupas. Obrigado por ter me feito mudar. Eu realmente precisava disso. Não vou mentir, dizer que vou esquecer você completamente. Mas estou tranquilo. Sei que você será apenas um nome daqui há algum tempo. Ah, o tempo! Obrigado pelo tempo que você deixou vago e que agora foi reservado a mim. Só a mim. Obrigado pelo sofrimento. Obrigado pelo silêncio. Obrigado pela consciência limpa. Obrigado pelo fim. Obrigado por tudo e, principalmente, obrigado por nada.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Veneno

Geralmente eu peço pra que você não me deixe só. Mas não hoje, não agora. Eu preciso estar sozinho. Quero sentir isso sozinho. Não quero dividir nada com ninguém. Deixo que meu coração dispare e minha visão escureça. Preciso disso. Quero que o ódio me entre pelas narinas, se espalhe pelo meu corpo. Quero que meu sangue ferva. Eu, como ser humano que se preze, preciso sentir essa raiva. Não quero compartilhá-la com ninguém. Esse ódio que me faz arder é só meu. Meu ódio, minha ira. Eu cerro os punhos, eu quebro coisas. Eu chuto o que eu puder chutar. Quero ver sangrar. Quero ver queimar. Eu tomo mais uma dose. Uma bem forte. De ira. Dessa vez eu cerro os dentes. Grito como um animal. Um animal em ataque, fora de si. Em fúria. Sou eu esse animal. O eu que eu guardei numa caixa. E tranquei num canto qualquer da minha alma. Alguém o libertou. E ele está tomado de raiva. Repleto, até a boca. A boca que diz o que não diria. As mãos que tremem. Eu vivo, eu odeio. E como odeio. Por algum tempo, odeio tudo e todos. Até eu. Eu sou a ira. Eu sinto a ira. O ódio faz parte de mim. Eu respiro fundo. Meu peito se acalma. Não sei por quanto tempo. Isso tudo ainda faz parte de mim, ainda sou eu. Mas esse eu adormeceu.

sábado, 7 de agosto de 2010

Exorcismo (Cercas brancas e flores na varanda)

E daí que eu tenha sentido alguma coisa, qualquer coisa por você? Você não me deu a importância que eu mereço, que eu te dei. Eu devo mesmo ser muito idiota por ainda acreditar no amor. Acreditar que ainda vai acontecer comigo. Dane-se! O fato é que o que eu penso ou sinto nunca é levado em consideração. A menos, claro, quando for você no papel de vítima. Que você adora fazer. E faz muito bem, diga-se de passagem. Dane-se de novo! Espero mesmo que vocês casem. Que sejam bem felizes, os dois. Que tenham filhos lindos e saudáveis. Um labrador. Uma macieira no jardim. Uma casa linda, com cercas brancas e flores na varanda. Espero que saibam aproveitar tudo isso. O que eu quero pra mim, eu nem sei mais. Não sei se saio à procura desse tal de amor verdadeiro ou se o espero aqui mesmo, sentado. Não sei nem se esse tipo de coisa existe mesmo. Tenho ouvido falar e só. Li em poesias, vi na letra de algumas músicas, mas nunca o encontrei. Esse tal de amor deve se esconder muito bem. Pelo menos de mim. Mas, dane-se mais uma vez! Dane-se você, ele, todos! Eu quero só ser aquele ser sem coração que eu costumava ser quando era feliz. E o amor...o amor que arranje outro idiota pra iludir.