quarta-feira, 25 de agosto de 2010

José

José gostava de ouvir músicas cinzas e chuvosas. Tão cinzas e chuvosas quanto aquela manhã de setembro em que ele nasceu, chorando sem fazer alarde. Apático desde o nascimento. Vestia-se sempre de preto, ou de qualquer outra cor sem vida, tal e qual era o seu sorriso. Isso quando ele sorria.
Um dia, enquanto ouvia uma de suas músicas de tristeza, José viu uma mulher. Não uma mulher qualquer. Não como nenhuma outra que ele tivesse visto. Ela era ela. Linda, quente, viva. Quase o oposto de José. A mulher não conseguiu disfarçar um riso. Ele também não. Entreolharam-se com encanto e estranheza. Sentir algo mais forte era novidade para José. O que teria feito seu peito acelerar daquele jeito? Ele sabia bem que era a vida que aquela estranha exalava.
Durante dias José seguiu o mesmo caminho. Passava duas, três, cinco vezes pela mesma calçada. Ele a procurava com devoção. Desde aquele momento, ele precisava do calor dela pra viver. Será que ela também se sentia assim? Será que também o procurava? A cada dia José entristecia-se mais. Suas forças sumiam na mesma intensidade que sua esperança desaparecia. Mas ele precisava encontrá-la de novo. Pelo menos para olhá-la uma vez mais.
Mais uma vez ele a viu. Em meio à multidão. Dentre rostos diversos, passos apressados, tamanhos, cores, vozes, ele a viu de novo. Seu coração acelerou. Tanto quanto no dia do primeiro encontro. Ela mais uma vez sorriu para José. E ele tinha certeza que sim, que ela sorriu pra ele. Então ele andou em sua direção. A mulher continuou a caminhar. José apressou os passos. Ela parecia apressá-los também. Ele se apressou um pouco mais. Ela, o mesmo tanto. Ela fugia dele? Não, José sabia que não. Em meio à sua áurea cinza chumbo e sua tristeza chuvosa, ele sabia. A estranha se apressou ainda mais. José também. Em poucos instantes corriam, os dois, em meio à multidão.
José conseguiu segurar a mulher pelo braço, deixando-a escapar em seguida. Sentia-se cansado, mais ainda tinha forças para correr. E correu. Num instante qualquer, talvez por culpa do suor que escorria de seu rosto e ardia-lhe os olhos, José piscou os olhos. Ela não estava em lugar algum quando ele os abriu novamente. Ele a deixara escapar. Mas por que ela fugia? Ela não sentiu a mesma inquietação, a mesma taquicardia que ele sentira? Seria ela tímida, ou algo assim? José não soube responder. Viveu sem estas respostas. Não sei se posso dizer que ele viveu mesmo. Mas ele pensou nela. Ele sonhou com ela. José não mais voltou a vê-la. Mas ele soube, não se sabe por quem, o nome daquela mulher. Da estranha que ele teve nas mãos, e deixou escapar. Ela se chamava Felicidade.

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