terça-feira, 27 de julho de 2010

O homem que não sorri

Todos os dias ele acorda tarde. Carrega um peso invisível nas costas que o faz se encurvar diante do novo dia. Todos os dias ele revira na cama, até que tenha coragem de levantar. A maioria das vezes, levanta mesmo sem ânimo. Ele nunca diz "bom dia". Ele nunca tem um bom dia. Todas as manhãs, após enfim se pôr de pé, ele se olha no espelho do banheiro. Algumas vezes força um sorriso. Força tanto que faz seus olhos se fecharem quase que completamente. Ele não sorri. Faz a barba, escova os dentes, lava o rosto, mas não sorri. Queria poder dizer que ele não é uma pessoa normal. Mas ele é. E esse é o problema. Esse é o motivo de todos os seus não-sorrisos e não-bons-dias. Ele não tem alegria, apenas compromissos. Ele não pensa em aproveitar o dia, apenas em trabalho. Ele não tem família ou amigos, mas tem dinheiro. Ele tem muito dinheiro. Não o bastante para comprar um sorriso. Sorrisos não se compram. Sorrisos surgem, assim, como mágica. Mas os sorrisos não surgem pra ele. Os seus dias são frios. Seus meses são cinza. Seus anos são amargos. E ele não sorri. Certa noite ele se deitou. Acordou de madrugada sentindo-se estranho. Foi ao banheiro. Lavou o rosto e se olhou no espelho, como faz todas as manhãs. Foi então que aconteceu. Um sorriso surgiu em seu rosto. Assim, como mágica. E ele sorriu. Sentiu-se vivo. Sentiu-se completo. Voltou a dormir. Não mais acordou.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Minhas mãos trêmulas, frias

Estou pálido. Minhas mãos trêmulas, frias. Eu estou de frente a ele. Ele não pode me vencer. Ele não é maior que eu. Eu sei que não. Mas eu estou pálido. Minhas mãos trêmulas, frias. Eu quero enfrentá-lo. Quero vencê-lo. Mas minhas pernas não se movem. Eu vejo, encaro. É só o que eu consigo fazer. Ele não pode ser maior que eu. Ele é maior que eu. Eu sou o que sou. E ele é o medo. Meu medo.


Por perto (Sombra)

Respiro. Suspiro. Me contenho pra não incomodar. Me contento em não incomodar. Em não te incomodar. Eu estou ali e você nem vê. Eu prefiro assim. Assim você não enjoa de mim. Assim eu me mantenho sempre aí. Por perto. Sempre. Eu estou no seu sorriso. No seu jeito de andar. Na sua voz, eu sempre estarei. E sua voz estará sempre em mim. Eu sou sua sombra, eu posso ser. Assim eu me mantenho sempre aí. Por perto. Nas janelas. Na mobília. Por perto. Sempre.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Eu estou em frente à sua porta

Eu estou em frente à sua porta agora. Eu sei que não devia estar aqui. Eu sei que não devia estar assim. Não trago flores e nem qualquer poema. Doces, muito menos, já que amargo é o gosto de você que eu sinto agora em minha boca. Mágoas. Eu as carrego por onde eu for. Mas eu estou em frente à sua porta agora. Já nem sei dizer quem está certo ou, ainda, se eu estou no lugar certo. Eu vim te ver, mas temo que você abra a porta. Não sei como seria te encarar agora, assim, no meio da noite. No meio da rua. No meio da chuva. No meio do nada. E temo que esse nada seja tudo o que restou de nós. Temo que nem esse "nós" exista mais. Nós. Nem sei mais como é ser apenas "eu". Sei apenas que estou em frente à sua porta. Talvez nem disso eu saiba mais. O que eu sou? O que eu sou pra você? Por que sinto o frio da noite aqui fora, se você está tão perto? Por que sinto esse frio, eu e minhas mágoas, e não o seu calor pulsante? Seu calor. Que me aquece a alma. Que vem do seu coração e faz o meu se aquecer. Talvez eu devesse ir embora. Você nem sentiria minha falta. Sentiria? Por um instante eu queria que meus pés me levassem adiante. Mas talvez fosse melhor não. Talvez eu devesse ir embora. Me decido, vou embora. Não quero mais estar em frente à sua porta. Decidido. Decidido e com frio. Decidido e sozinho. Decidido e amargurado. Vou embora! Recuo. Algo me impediu. Um cheiro. Teu cheiro. A porta abriu. É você. Estou em frente à sua porta. Estou em frente a você. Você sorri. Mas eu tenho mágoas. Eu tenho frio. Você tem o sorriso. Você tem o calor. É sua a mão que me segura. É você que me abraça e me desarma. É você que me puxa pra dentro. Pra que eu possa me aquecer. Pra que eu possa me secar. Tirar de mim a água da chuva dessa noite fria. Tirar de mim a mágoa. Já não me importa o que eu perdi. Tenho você. Tenho você, de novo. Agora estou atrás de sua porta. Junto ao teu calor, ao teu abraço. E já não me importa o que eu perdi. Tenho você. Tenho você, de novo.