sábado, 14 de julho de 2012

Um café

Sozinho à mesa posta. Um surto de vontade. Arrumou-a com o só o faz quem espera visita. Abriu uma fresta de janela para que entrasse luz no ambiente. Uma manhã moderada adentrou, iluminando um terço da mesa. Suficiente. De cor, além do suco e de algumas maçãs, só o castanho claro de seu olhar negro e pesado. Se perde a cada passo. Perdido em sua própria casa. Apressa-se: a água ferve. Segura, com toda firmeza que lhe cabe, o botão. Desliga o fogo, fazendo acalmar-se a fervura. Mistura-lhe o pó, ferve outra vez. Está pronto. Olha a mesa, algo falta. O quê? A xícara, talvez. De fato, a xícara. Vai em busca da... de quê mesmo? Mira outra vez a comida disposta timidamente sobre a toalha lavada. Tinha-lhe dado, também, o ímpeto de trocar a roupa de cama e a toalha da mesa. Xícaras... onde estão? A jornada termina. Não importasse as cores ou as luzes, era o mesmo: quente, negro e amargo. Sentado, outra vez, à mesa, degusta a bebida de sua vida inteira. Sem açúcar. Um café.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Quadro

O silêncio grita no quarto.
O vazio preenche a sala,
quadro a quadro.
A escassa luz que vem das janelas
sussurra qualquer absurdo.
É claro que o escuro
de todas as minhas memórias
escorreu pelos encanamentos.
Palavras de mágoa e desencanto
que outrora proferi escapam pelas torneiras,
gota a gota,
inundando o chão de dor e silêncio.
É o desespero velado.
É acorde amargo e triste sob a carne.
É água salgada do pranto dos olhos da face do pobre diabo.
É o amassado das roupas de cama.
O frio metálico que já se instaurou.
Cada tijolo, cada talher tem sua mágoa.
O rosto pintado tem sua dor intocada.
Enquadrada.
Quadro a quadro.
(Sofre).

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Projeto

Vejo os relógios correrem ao contrário, sinto o tempo soltar bruscamente minhas mãos e me deixar sem ter onde fincar meu mundo. Meus pés seguem um caminho que o coração ordena. Minha mente não concorda. Agora mesmo, parece que já proferi estas palavras ao vento, em qualquer tarde quente de início de um verão que nunca termina, enquanto via abater-se entre as paredes aqui de casa um vigoroso inverno, sem muitas cores ou vida: só o frio de tua presente ausência. O vapor incessante que sai dos meus lábios que não encontram os seus queima como uma maldição. O delicado jogo de luz e sombra dos móveis me invade também os pensamentos, onde encontro vagas lembranças suas em preto e branco, sua voz ecoando em um imenso salão escuro, de onde eu me percebo só. Eu bem sei que não devia sentir-me assim. Não me alegra sentir-me assim. Mas contento-me em te ter por perto, sempre à minha volta, nem que seja assim, figurado em assombração. Um rosto, um belo rosto, a revelar-se aos poucos em seus contornos, enquanto me sorri algum sorriso... Então te vejo sumir. É aí, neste exato instante, em que meus pés tocam de novo o chão quente da sala. Me sinto completamente idiota por me deixar flutuar por entre as lembranças suas. Mas, mesmo que me pese o peito, sinto-me leve, a desprender-me da terra...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Calmante

Tenho coisas escapando das mãos,
Tenho sonhos fugindo da mente,
Tenho medos tomando meu corpo,
Tenho palavras omitidas vomitadas,
Tenho pensamentos vivos,
Tenho lembranças mortas,
Tenho calmantes sobre a mesa,
Tenho um copo de uísque na mão,
Tenho um cigarro aceso nos lábios,
bem do lado de um beijo que ainda não te dei,
Tenho ideias estranhas perfeitamente normais e aceitas somente por mim,
Tenho sangue quente correndo nas veias,
Tenho algo dentro do peito...


que ainda não sei usar.

sábado, 25 de junho de 2011

O homem que tinha escritos na testa todos os seus sentimentos

Era uma vez um homem. Um homem que tinha escritos na testa todos os seus sentimentos. Devia ser difícl ser aquele homem, já que todos pensavam conhecê-lo. Mas quem o conhecia? Nem ele mesmo poderia responder. Nem ele mesmo. Um dia este homem se apaixonou. Mais uma vez estava lá, escrito em sua face, todos os seus verdadeiros sentimentos. Mas a muher não o amou, e ele demorou a perceber. Ao contrário dele, a mulher não demonstrava o que sentia. Ele não soube ler o que ela era. Ela o desprezou. Ele sofreu. Descobriu que algumas pessoas gostam de ser maltratadas. Gostam que as pisem, que as desprezem. A dor foi tanta que ele decidiu apagar tudo o que havia de estampado em sua testa. Se tornou um homem mais frio e misterioso. Hoje o homem não é mais o mesmo. Ninguém mais consegue ler os seus sentimentos. Ninguém mais o conhece.

Talvez, hoje, ele possa dizer que sabe quem é.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Vírgulas

Cansei de vírgulas e reticências.
Quero um ponto final, derradeiro.
Quero saber onde terminamos.
Preciso descobrir se, ao menos, começamos.
Toda boa história tem seu fim.
As ruins, como a nossa, também.
Não quero mais suas vírgulas, seus parênteses,
ou seus desejos efêmeros de um amor ainda mais passageiro.
Quero esclarecer todas as minhas entrelinhas.
Quero mais mistérios nas palavras que virão.
Quero saber onde termina pra que eu possa começar outra história.
Cansei de vírgulas e reticências.

domingo, 5 de junho de 2011

Ritual.

Hoje eu senti um nojo imenso de mim. Por ter feito o que fiz, mais uma vez, mais de uma vez. Eu prometi… Porra! Eu prometi que não ia ceder aos teus encantos, aquele teu beijo maldito… Cedi. Abri mão de mim, de novo, por você. Eu queimei todas as minhas perspectivas. Tua boca queimou minha pele, e eu gostei da dor. Agora estou aqui, e este é o problema. Não sei onde é. Agora que sou livre não sei pra onde ir. Sou só, sou frio. Eu quis ser frio. Eu sou, eu sei. Tenho uma pedra de gelo no peito. Hoje eu praguejei contra nós. Gritei segredos e ofensas que nem eu mesmo esperava ouvir. Refiz promessas e rituais. Queimei teu retrato. Aquele que eu adorava. Você sorrindo, olhando fundo nos meus olhos. Teus olhos de serpente. Hoje eu te tranquei num quarto escuro, perto das tuas mentiras. Hoje eu te enterrei no quintal, te atirei ao mar. Hoje você é as palavras amargas e ressentidas que rabisquei neste pedaço de papel. Te sufoquei em mim. O ritual.