terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Quadro

O silêncio grita no quarto.
O vazio preenche a sala,
quadro a quadro.
A escassa luz que vem das janelas
sussurra qualquer absurdo.
É claro que o escuro
de todas as minhas memórias
escorreu pelos encanamentos.
Palavras de mágoa e desencanto
que outrora proferi escapam pelas torneiras,
gota a gota,
inundando o chão de dor e silêncio.
É o desespero velado.
É acorde amargo e triste sob a carne.
É água salgada do pranto dos olhos da face do pobre diabo.
É o amassado das roupas de cama.
O frio metálico que já se instaurou.
Cada tijolo, cada talher tem sua mágoa.
O rosto pintado tem sua dor intocada.
Enquadrada.
Quadro a quadro.
(Sofre).

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Projeto

Vejo os relógios correrem ao contrário, sinto o tempo soltar bruscamente minhas mãos e me deixar sem ter onde fincar meu mundo. Meus pés seguem um caminho que o coração ordena. Minha mente não concorda. Agora mesmo, parece que já proferi estas palavras ao vento, em qualquer tarde quente de início de um verão que nunca termina, enquanto via abater-se entre as paredes aqui de casa um vigoroso inverno, sem muitas cores ou vida: só o frio de tua presente ausência. O vapor incessante que sai dos meus lábios que não encontram os seus queima como uma maldição. O delicado jogo de luz e sombra dos móveis me invade também os pensamentos, onde encontro vagas lembranças suas em preto e branco, sua voz ecoando em um imenso salão escuro, de onde eu me percebo só. Eu bem sei que não devia sentir-me assim. Não me alegra sentir-me assim. Mas contento-me em te ter por perto, sempre à minha volta, nem que seja assim, figurado em assombração. Um rosto, um belo rosto, a revelar-se aos poucos em seus contornos, enquanto me sorri algum sorriso... Então te vejo sumir. É aí, neste exato instante, em que meus pés tocam de novo o chão quente da sala. Me sinto completamente idiota por me deixar flutuar por entre as lembranças suas. Mas, mesmo que me pese o peito, sinto-me leve, a desprender-me da terra...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Calmante

Tenho coisas escapando das mãos,
Tenho sonhos fugindo da mente,
Tenho medos tomando meu corpo,
Tenho palavras omitidas vomitadas,
Tenho pensamentos vivos,
Tenho lembranças mortas,
Tenho calmantes sobre a mesa,
Tenho um copo de uísque na mão,
Tenho um cigarro aceso nos lábios,
bem do lado de um beijo que ainda não te dei,
Tenho ideias estranhas perfeitamente normais e aceitas somente por mim,
Tenho sangue quente correndo nas veias,
Tenho algo dentro do peito...


que ainda não sei usar.

sábado, 25 de junho de 2011

O homem que tinha escritos na testa todos os seus sentimentos

Era uma vez um homem. Um homem que tinha escritos na testa todos os seus sentimentos. Devia ser difícl ser aquele homem, já que todos pensavam conhecê-lo. Mas quem o conhecia? Nem ele mesmo poderia responder. Nem ele mesmo. Um dia este homem se apaixonou. Mais uma vez estava lá, escrito em sua face, todos os seus verdadeiros sentimentos. Mas a muher não o amou, e ele demorou a perceber. Ao contrário dele, a mulher não demonstrava o que sentia. Ele não soube ler o que ela era. Ela o desprezou. Ele sofreu. Descobriu que algumas pessoas gostam de ser maltratadas. Gostam que as pisem, que as desprezem. A dor foi tanta que ele decidiu apagar tudo o que havia de estampado em sua testa. Se tornou um homem mais frio e misterioso. Hoje o homem não é mais o mesmo. Ninguém mais consegue ler os seus sentimentos. Ninguém mais o conhece.

Talvez, hoje, ele possa dizer que sabe quem é.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Vírgulas

Cansei de vírgulas e reticências.
Quero um ponto final, derradeiro.
Quero saber onde terminamos.
Preciso descobrir se, ao menos, começamos.
Toda boa história tem seu fim.
As ruins, como a nossa, também.
Não quero mais suas vírgulas, seus parênteses,
ou seus desejos efêmeros de um amor ainda mais passageiro.
Quero esclarecer todas as minhas entrelinhas.
Quero mais mistérios nas palavras que virão.
Quero saber onde termina pra que eu possa começar outra história.
Cansei de vírgulas e reticências.

domingo, 5 de junho de 2011

Ritual.

Hoje eu senti um nojo imenso de mim. Por ter feito o que fiz, mais uma vez, mais de uma vez. Eu prometi… Porra! Eu prometi que não ia ceder aos teus encantos, aquele teu beijo maldito… Cedi. Abri mão de mim, de novo, por você. Eu queimei todas as minhas perspectivas. Tua boca queimou minha pele, e eu gostei da dor. Agora estou aqui, e este é o problema. Não sei onde é. Agora que sou livre não sei pra onde ir. Sou só, sou frio. Eu quis ser frio. Eu sou, eu sei. Tenho uma pedra de gelo no peito. Hoje eu praguejei contra nós. Gritei segredos e ofensas que nem eu mesmo esperava ouvir. Refiz promessas e rituais. Queimei teu retrato. Aquele que eu adorava. Você sorrindo, olhando fundo nos meus olhos. Teus olhos de serpente. Hoje eu te tranquei num quarto escuro, perto das tuas mentiras. Hoje eu te enterrei no quintal, te atirei ao mar. Hoje você é as palavras amargas e ressentidas que rabisquei neste pedaço de papel. Te sufoquei em mim. O ritual.

sábado, 9 de abril de 2011

Achados e perdidos

Cheiro de fumaça. Cheiro de chuva, de insetos. O tempo em que tudo era eterno está de volta, se espalhando pela casa. Rostos fora de foco, objetos coloridos espalhados pelo chão. Era bom. Os dias costumavam vir repletos de alegria. Em que parte do caminho eu a deixei cair? Será que ainda está guardada em algum bolso que não uso mais? O frio é o mesmo. O rosto no espelho, não. Eu ainda reconheço alguns traços e cicatrizes. Mas, definitivamente, o amargo desse olhar não existia no outro rosto. É o mesmo espelho, com outro olhar. Quem achou aquilo que eu tinha e perdi? Aquilo que eu não sei descrever. Aquilo que nunca vi, mas sei que já tive. Em que "Achados e perdidos" eu posso me encontrar?
Um homem precisa de inocência para viver.
A minha está sendo roubada, pouco a pouco.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Doente

Certa vez houve um homem. Não me lembro de seu rosto, nem de seu nome. Não sei onde viveu, mas viveu. Um dia, este homem sentiu-se diferente. Nunca experimentara aquela sensação. Suas mãos estavam frias, suadas. Sentia-se triste e feliz, bonito e feio, tudo ao mesmo tempo. Dentro de seu peito, um misto de angústia, dor, saudade, alegria e medo. Sofria ele de algum mal? Decidiu procurar um médico. O homem de roupa branca e testa enrugada o examinou por completo. Não encontrou nada. O homem decidiu, então, ir a um psiquiatra. Se não era mal físico, na certa era psicológico. O homem de terno preto e bloco de anotações ouviu, observou, ponderou e anotou. Mas a nenhuma conclusão chegou. Ainda mais angustiado, o homem se viu sem saída. Sofria de algum mal, mas não sabia qual. Pensou em se matar, em surtar, em cozinhar, em cantar, em se render, roubar, matar. Mas nada ia adiantar. Aquelas sensações todas ainda enchiam o seu peito. Decidiu, então, contar a verdade a ela. A bela jovem que com ele brincara, estudara, crescera. E ao vê-la, o homem descobriu: era ela a causa daquilo tudo. E ele se examinou. Diagnóstico: paixão.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Desarmado

Desarmado, desalmado e desamado. Esse sou eu, aquele que você soltou no ar, ensinou a voar e deixou cair. Eu quebrei. Era fraco e nem sabia. Você sabia? Dei minha luz pra você. Fiquei sem nada, preso ao chão, no escuro. É frio onde você me deixou. Aqui falta você. É vazio o peito. O meu. Sou oco sem teu perfume. Meu coração só pulsa, não sente. Na casa, só paredes. E as lembranças são só lembranças. Desanimado e desabando. Ainda estou aqui, desarmado.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Hoje eu carrego um elefante nas costas.
Uma história, um sonho e uma mentira.
Eu ando devagar,
eu suspiro dolorosamente.
Eu sinto dor, amor, horror a cada passo.
Eu tenho o semblante carregado.
Sou a única criatura em preto e branco
nesse mar de infinitas cores em neon.
Hoje eu sou medo, alívio, decepção.
Sou a ferida de quem saltou ao desconhecido,
de quem pulou do penhasco.
Hoje eu sou ternura, tristeza, resignação.
Muito prazer,
eu sou a Desilusão.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Horizonte ou Com a chuva pesando em minhas costas

Chove muito desde cedo. Desde cedo eu estou andando, na chuva. Eu não tenho frio. Apenas quero seguir em frente, não olhar pra trás. Quero deixar tudo o que me aflinge. Quero me desfazer de todos os meus problemas. Metade dos meus problemas foram causados por você. Mas sem você eu teria o dobro deles. Será que eu te amo mais que odeio? Não sei. Não quero pensar. Só quero andar. Sempre em frente. Só o horizonte me interessa. Está escuro. No caminho eu vejo um vulto. Não sei ao certo se é uma pessoa. Não me importa. E eu sigo em frente. Com a chuva pesando em minhas costas. A chuva é, agora, a minha fiel companheira. E eu ando mais. Avante, sem temores, sem receios, sem ninguém. Caminho mais devagar agora. Eu reconheço esse lugar. Estou de volta. Estou em casa. Onde você, que é causa dos meus problemas, me espera. Pra resolver todos eles.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Luzes acesas.
Janelas abertas.
Um copo vazio.
Fumaça de cigarro.
Cinzas pelo chão.
E uma dor que se espalha pelo ar.
Como ele consegue dormir tão docemente?
Os ruídos da vida noturna porta afora.
As rachaduras nas paredes.
O quadro fora do lugar.
Aquilo costumava ser bom.
Um dia, apenas um.
O desenho das estrelas, a dança das folhas.
A chuva fina que cai.
O tempo esfriou o tempo.
E ele dorme.
Os livros jogados.
Palavras espalhadas pela mente, pela casa, pelo ar.
Nada parece mais fazer sentido.
O mundo desabou sobre a cabeça dele.
E ninguém viu.
Ao lado da cama, qualquer coisa escrita num papel.
Ao lado das estrelas, a lua.
Ao lado da vida, a morte.
Ao lado do homem que dorme, dor.
Escapa das veias.
Escorre pelo chão, no tapete, nele.
E ele dorme, para não mais despertar.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A você, ao tempo e à solidão

Estou só, de mãos dadas com o tempo que reluta em andar. Ainda tem espaço na cama, na estante, no sofá, em mim. Vem. Se quiseres, vem. Que eu te espero desde o nosso adeus. Vem, que o teu cheiro ainda manda na casa. Teus passos ainda guiam os meus. E hoje estou sem direção. Eu me encontro hoje onde encontro a solidão. Vem. De onde estiveres, vem.